quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Educar ou instruir

Educar ou instruir?


* Apenas informar educa de verdade a pessoa ?

Por Julio De la Vega Hazas

Dizer que vivemos na Sociedade da Informação converteu se num lugar comum.

Ninguém duvida que a informação é um bem valioso, e que possuí -la ajuda a atingir muitos objetivos, entre eles o de comportar se corretamente. Quem tem todos os dados à mão está em ótimas condições para fazer boas escolhas, inclusive no campo moral. A questão problemática é outra: mais do que saber se a informação é útil ou não para uma boa conduta, trata se de saber se só a informação basta.

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O assunto já foi levantado há muitos séculos. Na Grécia antiga, Platão foi o primeiro filósofo que elaborou uma teoria ética com uma idéia central: a verdadeira sabedoria, uma vez adquirida, propicia uma boa atuação.

Segundo essa maneira de ver as coisas, a má conduta seria, em última análise, conseqüência do engano da razão quando escolhe bens aparentes. Sendo assim, o conhecimento dos verdadeiros bens poderia corrigir quaisquer condutas más. A Filosofia – termo que literalmente significa amor à sabedoria – converter se ia em guardiã da moral. A educação moral reduzir se ia a mostrar o Bem verdadeiro.

Platão logo foi contestado. A oposição partiu do seu próprio discípulo Aristóteles, que esgrimia uma arma fácil de encontrar: a evidência. Embora reconhecesse que a ignorância é de fato um obstáculo de primeira ordem para a boa conduta, Aristóteles observou que no entanto também se constatam más ações praticadas por pessoas conscientes de estarem agindo mal, e também por pessoas com boa formação, inclusive em assuntos que dizem respeito à moral. Assim, a razão sozinha não era suficiente; seria preciso apelar para um segundo fator: a vontade. Agir bem é algo que se consegue com esforço; requer um hábito que se adquire percorrendo o árduo caminho da repetição de atos, até que a vontade se fortaleça e acostume as paixões e os sentimentos a lhe obedecerem: tal hábito é a virtude moral. A conclusão é que – ao contrário do que dizia Platão – para educar moralmente não basta ensinar o que é o Bem: é preciso também formar a vontade, o que é mais custoso.

Não se pode duvidar da sinceridade das intenções de Platão, mas também tinha razão o renascentista Rafael quando pintou, no centro da sua célebre Escola de Atenas, Platão apontando para cima ao lado de Aristóteles apontando para baixo. Era um modo de dizer que o primeiro vivia nas nuvens enquanto o outro tinha os pés no chão. O mérito da obra de Platão é inegável, mas a sua própria vida demonstrou que ele era um pouco ingênuo. De qualquer modo, a sua visão ética a respeito do que vínhamos dizendo acabou tornando se apenas um item na vitrina das antiguidades valiosas mas inúteis. Pelo menos até agora.

“EDUCADORES” ou “INSTRUTORES”

Podemos notar na sociedade uma tendência cada vez maior a igualar “educar” e “ensinar”. Há alguns anos, tentou se – felizmente sem êxito – até mesmo substituir na legislação por exemplo, o termo “educador” por “instrutor”. Seja qual for a palavra usada, o fato é que o fenômeno está consolidando-se. E isso chama mais a atenção, dada a importância do tema, no campo da educação sexual. A ânsia de fazer da informação o único objetivo das aulas pode facilmente degenerar em exibição pornográfica. Ainda que não seja a intenção de ninguém chegar a tais extremos, basta ter olhos para ver que, neste tema, os resultados desse informar sem querer educar são desastrosos. Se a vontade está debilitada, o que domina a pessoa não é a razão mas os impulsos irracionais – especialmente se a pessoa em questão é o adolescente ainda em fase de consolidação, de modo que a informação, ao invés de servir como elemento de critério, serve apenas para alimentar o instinto.

De qualquer forma, independentemente do valor que os promotores desse tipo de “educação” concedam à sexualidade, o fenômeno já está generalizado. Quando se percebe alguma realidade alarmante entre a juventude – sejam as drogas, o alcoolismo ou até mesmo o chamado “fracasso escolar” –, a reação das autoridades não costuma ser a de atacar o problema pela raiz: o que fazem é desencadear uma campanha de informação.

Vejamos o exemplo da droga. Informação ajuda, sem dúvida, mas é bastante ineficaz contra certos ambientes e amizades: todos os que “caíram” nas drogas confessam que foram levados a isso pelo comportamento do grupo a que pertenciam. As medidas lógicas para combater esse mal consistem em cuidar das amizades e dos lugares que os jovens freqüentam. Na prática, isso significa ter uma vida mais ordenada, recortar a vida noturna e fazer amizade com pessoas mais responsáveis: isso supõe um esforço para eles, pois costuma contrariar os seus gostos. Por isso, é necessário dar aos jovens um apoio: ajudá los a dominarem se a si mesmos, incutindo neles os valores que lhes permitam ver que o esforço continuado que isso exige vale a pena.

Em resumo, é necessária uma educação. Mas quem a levará a cabo? Várias instâncias podem ser mobilizadas para essa finalidade, mas uma delas é central: a família. Sem ela o trabalho das outras raramente dá frutos. Acontece, porém, que a família não está nos seus melhores dias: padece uma instabilidade crescente, e além disso as condições de vida atuais – agravadas pela ausência de uma política familiar adequada – tornam difícil para os pais atenderem convenientemente os filhos. Isso tudo logo nos leva a algo que um pouco de bom senso também ajuda a concluir: que qualquer remédio deve necessariamente basear se no reforço dos vínculos familiares e num estímulo às famílias para que eduquem corretamente os filhos.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, DROGAS E PROPAGANDA

Mas justamente essa é a solução que nunca aparece. Nem mesmo perante um problema como o da violência doméstica, tão diretamente ligado à saúde e à estabilidade da instituição familiar. Bastariam dois números para que se abrissem os olhos: um deles seria a comparação do número percentual de casos em matrimônios normais com o mesmo percentual em “uniões de fato”; o outro seria – entre matrimônios normais – a porcentagem do total de casos cuja origem foi a ruptura do matrimônio, isto é: o anúncio de abandono do lar por um dos cônjuges. Mas ninguém parece interessado em publicar pesquisas desse tipo, que, no entanto, mostrariam o caminho a seguir para uma solução preventiva, mais eficaz do que simplesmente concentrar se em castigar os fatos consumados. Também nesse assunto, insiste-se em buscar uma solução mediante campanhas informativas para mostrar o mal da violência e intimidar os possíveis infratores lembrando lhes as penas previstas na lei.

Mesmo assim, pode parecer à primeira vista que essas campanhas informativas vão acabar produzindo algum efeito significativo, pois afinal de contas são um tipo de publicidade, e a publicidade consegue os seus objetivos, pelo menos quando é feita inteligentemente. Se um bom anúncio de carros consegue aumentar significativamente as vendas, por que um bom anúncio contra as drogas não poderia reduzir significativamente o seu consumo? Antes de mais nada é preciso reconhecer um fato: não reduz. Não deixa de ser significativo que a última campanha de propaganda antitabagista, com anúncios chamativos impressos nos maços de cigarro, tenha resultado numa insignificante redução nas vendas de tabaco e numa disparada das vendas de porta maços.

Explicar é um pouco mais difícil do que simplesmente constatar os fatos. Mas podem ser apontadas algumas diferenças entre esse tipo de publicidade e a publicidade comercial comum.

Em primeiro lugar, uma campanha a favor de algo não é a mesma coisa que uma campanha contra algo. Adquirir coisas pode ter o seu atrativo, mas privar se delas costuma não ter nenhum. Está bastante comprovado, por exemplo, que uma campanha eleitoral centrada em desqualificar o adversário em vez de promover o próprio candidato ou partido, fracassa sempre – mesmo inicialmente pareça que vai vencer – salvo quando já haja antes uma forte indignação popular contra o rival. Os publicitários profissionais já sabem disso, e tentam “vender” uma campanha dirigida contra algo convertendo a em campanha a favor de algo atraente. Acontece no entanto que tais mensagens costumam ser até certo ponto indeterminadas ou mesmo ambíguas.

Continuando com o exemplo das drogas, a frase “diga sim à vida” pode até ser um bom slogan, mas cada um irá interpretá lo à sua maneira: até poderia figurar na porta de uma danceteria, como um convite para entrar. Pior ainda se tal frase vier acompanhada de imagens de jovens felizes e sorrindo, que os destinatários facilmente irão associar à “animação” que experimentam quanto tomam uns copos a mais ou tragam um comprimido estimulante. Tudo isso significa que a única mensagem positiva que funciona – se queremos que funcione de verdade – é a que consiste em valores morais: mas isso só é veiculado de uma forma muito parcial.

A segunda diferença tem algo a ver com a primeira. Consiste em que os anúncios geralmente apelam para um desejo que já se tem de algo e procuram mostrar esse algo num produto concreto. Quando esse caminho não é tão simples, a publicidade procura encobrir a parte árdua. Assim, por exemplo, anunciam se cursos de idiomas onde se aprende “sem esforço” ou “sem estudar” (o que por outro lado, dito dessa forma, é um conto do vigário).

Com os anúncios que convidam a não fazer alguma coisa, isso não acontece: neste caso o desejo preexistente conduz ao oposto do que se está propondo. É claro que é possível anunciar coisas pouco atraentes apelando para sentimentos ou valores, mas estes devem já existir na pessoa: por si mesmo o anúncio é incapaz de suscitá los. Pensar que a publicidade e a propaganda são todo poderosas quando são bem manejadas é um dos muitos tópicos falsos que estão em circulação.

POR QUE TANTA CONFIANÇA NAS CAMPANHAS INFORMATIVAS?

Se os resultados são tão limitados, então por que toda essa confiança nas campanhas informativas? Basicamente porque quando a educação reduz se à informação, o que é árduo desaparece. Mais do que a simples fé no Progresso, foi o desejo de evitar o que é árduo que nos levou a forjar a ilusão de que para qualquer problema sempre há uma solução técnica, uma engenharia que permita evitar o esforço. Consciente ou inconscientemente, tudo o que não se encaixa nesse quadro ilusório é tirado de cena, por mais que a realidade teime em mostrar, uma e outra vez, que as coisas não são como sonhamos que sejam, ou, mais concretamente, que tudo aquilo que é humanamente valioso só se consegue por meio de um esforço sustentado, ou seja: através das virtudes.

Existe portanto uma resistência a aceitar a própria natureza da pessoa e a da família. A família é uma teimosa realidade que não se presta a reengenharias. A família sempre funciona melhor que qualquer um dos seus sucedâneos. Para cumprir a sua missão, a família deve entregar se à dura tarefa de educar os filhos: uma tarefa na qual a formação da vontade tem um papel preponderante. Quer se goste disso ou não, essa é a única coisa que dá resultados positivos.

Mesmo quando não trata diretamente das campanhas informativas, a Antropologia cristã confirma esse diagnóstico. Ao falar do pecado, o Catecismo da Igreja Católica (n. 387) contra a tentação de “explicá lo unicamente como uma falta de crescimento, como uma fraqueza psicológica, um erro, a conseqüência necessária de uma estrutura social inadequada, etc.”. Para o tema que nos ocupa, convém destacar o termo “unicamente”. É evidente que existem erros e ignorâncias, mas os vícios sociais não podem ser explicados unicamente por essas categorias. Paralelamente, é claro que uma campanha informativa pode ajudar, mas se só contamos com ela o resultado continuará sendo insatisfatório. Responde se com informação quando o que falta é educação.

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